O jornalista Milton Bellintani jogou futebol de mesa no 7 de setembro na passagem dos anos 80 para os 90. Foi companheiro de equipe do Pinna, do Elias, do Ceará, do Peron, do Miltinho... É dele o ótimo texto abaixo, que tenta colocar em palavras o prazer de jogar nosso esporte.
PS: Aposentado das palhetas, pelo menos por enquanto, Milton ensaia uma volta às mesas.
CONFISSÕES DE UM DERROTADO
Por Milton Bellintani
Futebol de mesa ainda não é esporte olímpico, mas põe à prova a resistência emocional dos atletas e requer preparação especial
Vem Olimpíadas passa Olimpíadas e ouve-se a frase do barão de Coubertin — de quem não se sabe outra fala —, “o que importa é competir”. Na Austrália não foi diferente. A cada atleta subjugado ela era repetida como prêmio de consolação para os que tiveram de ir para casa mais cedo.
Me lembro do nobre francês sempre que sou convidado a uma mesa de botão, como quem reserva uma desculpa no bolso da camisa para qualquer eventualidade. Sim, porque futebol de botão é uma caixinha de surpresas. Em volta de uma mesa de jogo (2 m x 1,40 m), assim como nos campos de grama (110 m x 75 m), nem sempre o melhor vence. E acredite: botão não é um jogo qualquer. É preciso ter bom preparo físico, um plano tático bem definido, uma estratégia para cada adversário, boa pontaria e, mais importante do que tudo isso somado, nervos de aço para enfrentar os 20 minutos que dura uma partida. Alguém sabe responder por que arremesso de dardo e tênis de mesa são esportes olímpicos e jogo de botão não é?
Como todos os botonistas que conheço, passei parte da infância e da adolescência jogando contra o vento. A melhor forma de treinar os fundamentos desse esporte — controle da bolinha, força aplicada na batedeira (também chamada de palheta, ou tacadeira) para movimentar os jogadores, passe e chutes a gol — é conhecer os próprios defeitos e trabalhar secretamente para superá-los.
O preparador físico Nuno Cobra, que treinou campeões como o piloto Ayrton Senna e o ex-craque corintiano Neto, além de pilotos da nova geração como Rubinho Barrichello e Christian Fittipaldi, ensina que é preciso encarar os limites. “A emoção é a rainha do corpo. Cabeça ruim derruba um físico nota 10. A repetição do exercício permite dominar o movimento que é preciso aperfeiçoar e ajuda a ganhar confiança para executá-lo”, explica.
Para meu azar, só recordei as palavras do Cobra assim que terminou a semi-final do torneio que disputei na casa de um amigo no último domingo. O adversário era o Mané, um publicitário alguns anos mais velho do que eu (já fiz 40). A idade, que num campo de futebol de verdade faria dele no máximo um ponta-esquerda daqueles para quem ninguém se lembra de passar a bola, numa mesa de botão tem o efeito contrário. Cada fio de cabelo branco de sua cabeça representava um troféu conquistado numa mesa de botão.
Mané deu a saída arrasador. Em três toques, chegou na cara do meu goleiro:
— Pro gol! — bradou em tom ameaçador.
Fingi não me intimidar e arrumei o goleiro displicentemente. Ele mandou um balaço no canto direito, pelo alto, na junção do travessão com a trave esquerda, como se o meu camisa 1 estivesse ali apenas para buscar a bola no fundo da balisa. Senti o olhar do arqueiro me culpando por não ter dado a ele tempo de esboçar a defesa.
Tentando demonstrar que o gol não me abalara, optei por uma saída rápida. Ao tentar um passe em profundidade, permiti ao lateral do Mané interceptar a jogada e armar o contra-ataque.
— Pro gol!! — repetiu Mané, confiante.
Dessa vez ajeitei o guarda-metas com dedicação, procurando fechar o ângulo. Ainda deu tempo de olhar para a única passagem por onde a bola poderia entrar. E foi por ali que a danada veio, como se eu a tivesse puxado com um imã: 2 a 0.
Levar dois gols em menos de 1 minuto não é moleza. O goleirão Rogério Ceni, do São Paulo e da Seleção Brasileira, diz que sofrer um gol é como tomar um soco na cara, mesmo sabendo que ser vencido faz parte do jogo. “A gente não se acostuma.” E ele tanto não se acostumou que aprendeu a revidar: bate faltas igual a poucos jogadores de linha e não desperdiça cobranças de pênalti. É um goleador. Como guarda-valas de botão não faz gol, chamei o resto do time na “chincha” e ameacei abandoná-lo no fundo da gaveta da escrivaninha para mexer com os brios dos atletas. Não adiantou. Chutei três bolas na trave do Mané e acabei desclassificado do campeonato. Espírito esportivo, barão, com um time desses?
“O sentimento de raiva libera hormônios que prejudicam o rendimento do jogador”, explica a psicóloga da Seleção Brasileira, Suzy Fleury, integrante da comissão técnica da equipe olímpica de futebol nos jogos da Austrália. “Quem compete está se submetendo a uma grande variação de emoções durante o espaço de tempo que dura uma partida. Por isso o trabalho de preparação é fundamental. Os atletas devem passar por um processo de alfabetização emocional para aprender a usar os sentimentos favoravelmente”, esclarece a psicóloga.
Admito: sou mau perdedor. Só que eu pergunto se a única coisa que se pode esperar de um bom perdedor não é que ele perca sempre (e saiba manter a pose)? Uma pinóia. Com o que aprendi com o Nuno, a Suzy e o Rogério, o Mané não perde por esperar. Mas como o seguro morreu de velho, joguei a chave da escrivaninha fora. E mandei fazer um novo time de botão.
03 setembro 2007
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pelo jeito ninguém lembra...
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